22.1.08
«Sabem como odeio, detesto, não tolero mentiras; não por ser melhor que os outros mas simplesmente porque me assustam. Têm um ar fúnebre, sabem a morte - exactamente aquilo que mais odeio e detesto no mundo - o que mais quero esquecer. Deixam-me infeliz e doente como se tivesse trincado qualquer coisa podre. Ao que julgo, questão de feitio. Pois bem, quando deixei aquele jovem louco acreditar em tudo o que lhe apeteceu sobre as minhas influências na Europa, estive muito perto de mentir. De repente transformei-me numa aldrabice tão grande como o resto dos embruxados peregrinos. E tudo isto, não sei se percebem, só por pensar que ajudava de algum modo um Kurtz que eu nem sequer tinha visto. Para mim não passava de um nome. Eu via tanto como vocês o homem que se chamava assim. Vêem-no? Estão a ver-lhe a história? Vêem alguma coisa? Até parece que estou a tentar convencer-vos de um sonho - tentativa inútil porque o relato de um sonho não transmite a sensação-sonho, aquele emaranhado de absurdos e surpresas, o desespero na angústia de sermos aprisionados, a sensação de sermos presas do inacreditável que é verdadeira essência dos sonhos...
Fez um instante de silêncio.
- ... não, é impossível; é impossível transmitir a sensação-vida de uma época que vivemos - aquilo que constrói as suas verdades, o seu significado - a sua penetrante e subtil essência.
É impossível. Vivemos como sonhamos - sós...»
Etiquetas: Joseph Conrad
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